Voyeur
As
atividades em sua uma vinícola durante o ano quase sempre deixam Dalton
extremamente cansado, mas naquele dia em que tudo estava perfeito, exatamente
como ele queria que estivesse, tudo encaminhado e resolvido como esperado.
Ele sentiu-se estranho e buscou dentro de si respostas para tal sentimento.
Olhou em torno, revisou alguns papéis que se encontravam sobre a mesa, sua
agenda estava impecável, todos os horários todas as datas tudo organizado. Tudo
estava no lugar. Olhou pelas janelas admirando aquele belo dia e não se deteve
mais, trancou o escritório, no qual havia passado os últimos três dias, a
intenção era de que pudesse deixar lá dentro aquele desconhecido sentimento que
não parecia ter nenhuma lógica. Dalton é herdeiro de uma das maiores
propriedades de vinícolas de sua região, um patrimônio que requer muitos
cuidados, mas que proporciona grandes satisfações. É o filho mais velho de
tradicional família Padon Miller, e isso acarreta-lhe ainda mais responsabilidades,
pois desde que perderá seu pai, viu-se totalmente envolvido naquele mundo de
grande arte e percebia quão necessário se fazia saber guiá-lo à sua apreciação.
Embora estivesse envolto naquela tenra paisagem, e com todos os seus
compromissos, com a vinícola, realizados a contento. Ele não se sentia pleno. A
junção disso com o cansaço o incomodavam muito. Olhou no retrovisor viu-se, e
de fundo a placa “Château d'art rouge”. Mil lembranças de sua infância o
tomaram e aquele caminho que por muitas vezes cruzou em companhia de seu irmão
Áthila, agora ainda não se fazia sólido ainda o embriagava causando-lhe
vertigens e ilusões. Lembrou-se da fogosa Victória amiga de infância sua
primeira dama, mulher, amante, Lembrou-se de suas carnes quentes custosas
de largar, de seus beijos gulosos penosos de deixar, tinha olhos sempre como de
criança, criança travessa que não se compromete com nada mas gostava mesmo de
amar. Desde que fora cursar a universidade, não se viram e nem se comunicaram
mais.
O que há
comigo hoje, a quanto tempo não me lembrava destes episódios de minha vida? O
telefone toca e do outro lado da linha uma voz o questiona.
—Em que janelas andas a olhar, esqueceu-se de mim não foi?
Oh, por
Deus! - Oh, mon petit!! - Como eu pude me esquecer de você. Espere-me em meia hora chego ai.
Ao chegar
ao aeroporto Imediatamente aquela sensação pesada que sentira mais cedo
desaparecera por completo, assim que os olhos de Dalton localizam o
pequeno Áthila, 38 anos já não é mais tão pequeno, pois os anos o contemplaram
com um porte como o de Teseu e uma excepcional beleza como de Eros, Foram
três meses de férias e a cor sua pele agora muito bronzeada deixa bem claro que
foram dias proveitosos longe de casa. Os irmãos ainda estavam abraçados quando
Nathalie aproximou-se, estava distintivamente “une belle femme”. Cabelos muito
compridos e tão negros quanto turmalinas banhadas de luz, seus olhos eram
pequeninos que lhe davam uma expressão reservada e feliz. Tinha nas mãos
a recente edição da revista “A adega” imediatamente entregou-a ao marido para
que pudesse abraçar o cunhado. Depois de desculpar-se pelo atraso Dalton
inteirou o irmão das últimas novidades. Com a expressão preocupada indagou
sobre a mãe, sobre o Château.
—Mamãe está bem. Esteve indisposta por dias estava saudosa de
vocês, mas agora que estão aqui tudo ficará novamente bem, certo?
A mãe
Made Chloé, coitada vivia agora tomando muitos remédios, tornara-se muito
triste desde que Rhodolfo seu marido falecera, embora a tivesse deixado muito
bem de vida e aos cuidados de seus filhos nada mais lhe preenchia a vida, pois
foram muito felizes, durante longos anos administravam juntos o vinhedo que
prosperou bastante.
A noite
quando todos estavam reunidos no jantar tradicional de família foram
resolvidos os últimos detalhes para a recepção que aconteceria no domingo
próximo, todos os convidados já haviam confirmado presença, os vinhos para
degustação foram selecionados, flores, mesas e garçons e tudo decidido sob os
olhos atentos de Dalton. Depois que as damas foram se recolher os rapazes
travaram um prazeroso diálogo.
— O que anda fazendo Seigneur Dalton? Como estão se
comportando aqueles travessos personagens, diga-me não me esconda nada? Dalton
riu-se e não tentou esconder a sua face voyeurística. Quatro
anos a diferença de idade entre eles situação que os deixavam confortáveis o
suficiente para serem muito mais que irmãos, mas amigos e cúmplices em quase
tudo.
—Talvez goste de conhecer Meranye! Ela é um abuso para minhas
virtudes reclamou Dalton.
—Quais foram as fendas que se abriram para você desta
vez? inquiriu o outro.
—De verdade, andei meio distante de fendas, mas elas quem não
me deixaram, e estando eu onde estiver elas me chamam, me procuram, me
encontram e fazem questão de se insinuar para mim.
—Vejo que preciso colocar a minha leitura em dia, pois o meu
escritor favorito produz incessantemente.
Dalton colocou-se de cabisbaixa, a barba por fazer dava-lhe a
face uma aparência ainda mais grosseira que o normal, olhou diretamente nos
olhos do irmão e disse;
—Temo estar apaixonado.
—Uauu!! pelo que te conheço você se apaixona sempre que vê
uma janela, diferente das outras vezes agora esta admitindo. Humm! esta ficando
muito interessante este assunto. Meranye?
—Ohh, não! Meranye é uma camponesa loira, dei-lhe formosura e
uma destreza inigualável com a boca e mãos. Não há nada que a faça vestir a
roupa de baixo. Ela tem cheiro de mato e vários pretendentes, são homens fortes
e valentes que estão habituados a lidar com a terra, com os animais. Não desistiriam
dela com muita facilidade.
— Agora de verdade, diga-me de onde ela é? É de alguma loja,
será a moça do banco ou a do supermercado? Interrompeu Áthila fascinado.
—Sabe muito bem quais as condições impostas para quem como
você sabe sobre meu Modus Operandi de escrever! Então se conforme em percorrer
em minhas histórias, eu sei que gosta disso.
—Ao menos vai me dizer por quem esta apaixonado?
— Hoje não. Vamos dormir sim?
Os dias que se seguiram os irmãos mal puderam se ver por
conta dos eventos que estavam acontecendo por toda região, as degustações
competitivas tanto às escuras, quanto à claras, por vários anos seguidos, deram
ao Château D’art Rouge o primeiro lugar como o melhor vinho. E em meio a tudo
isso Dalton Padon Miller entregava-se por inteiro à suas divagações.
Viajava muito, dormia algumas vezes em hotéis ou fazendas, estava sempre
conhecendo novas pessoas e isso alimentava perfeitamente o seu hobby preferido.
Dalton prática escopofilia. Ele tinha uma coleção invejável de imagens, todas
minuciosamente descritas e transcritas. Sua última aquisição ainda atordoava-lhe
os pensamentos. Embora já tenha visto de tudo de todas as formas mais
desejáveis do universo ainda não havia se deparado com tamanho arrebatamento.
Lembrou-se então de Sophi, ela era magra e tinha dentes perfeitos,
pescoço fino ornado por um colar que escondia o pingent entre seus seios,
quase dava para vê-lo, por pouco não se descobria a sua circunferência
camuflada naquele decote. Sophi deliciosa garçonete em um bar de cowboys era
assim que a via a moça que lhe servia o café sempre quando se hospedava naquele
hotelzinho que fazia parte do seu percurso viagem. O melhor de tudo é, ela
sabia que ele a olhava, fazia questão de chegar bem próxima, mas sem deixar-se
tocar. Era uma personagem bem requisitada, ele sempre a envolvia em diferentes
histórias. Diferente de Cosé, pois se encontravam pouco, mas sempre era muito
intenso. Uma bonita moça, pálida, aspecto enternecido, trajava-se de preto e
adorava rabiscar papéis quanto o olhava umedecendo os lábios. Maquiagem pesada
escura terminava sempre muito borrada, Cosé era sua gótica, de carnes brancas
partes rosadas molhadas fumegantes. Olhos grandes e azuis como o oceano. Quando
faziam amor o deixava quase surdo com seus gritos e gemidos. Gritos
é um motivo bom para que Dalton desperte-se de seus devaneios e
volte para a realidade.
—Podemos entrar? Disse Cosé, ou melhor, a recepcionista do
consultório médico em que Dalton tinha consulta marcada.
— Senhor Miller, como vai, em que posso ajudá-lo? Disse o
doutor apertando-lhe a mão.
Dalton fez um relato breve ao médico e soube que deveria
fazer alguns exames, nada muito complicado.
De volta em casa sentiu necessidade de compartilhar com seu
irmão algumas de suas preocupações referentes tanto ao trabalho quanto com sua
saúde.
— Você precisa mesmo se casar novamente! Afirmou Áthila.
Dalton fora casado, antes de completar três anos de
casamento sua esposa ficou muito doente e faleceu, casou-se apaixonado, sofrera
muito em sua solidão, mas o trabalho e a dedicação aos seus textos, que um dia
publicaria o confortava e o animavam para a vida.
— Quem sabe! não se pode prever o futuro. Houve um silêncio
incomum entre os irmãos. que fora quebrado por Dalton.
— Ela esta me matando.
— Como ela é? disse o outro excitado de tanta curiosidade.
— Delicada, afasta os cabelos dos olhos com as pontas dos
dedos, como um maestro que rege a melhor orquestra do mundo. E quando
volta a cabeça o vento agita-lhe novamente os cabelos, os finos fios dourados
bailam subvertendo-lhe o olhar. Ela não seduz ela é a própria
sedução.
—De onde ela é? Como a encontra? Como se chama?
—Não sei de onde é não sei seu nome, Não sei como
encontrá-la, mas sei que ela é real, eu a encontrei em diferentes janelas
em diferentes hotéis, nos vemos e fazemos amor com os olhos por horas,
Ela é uma voyeur como eu. Gosta das
coisas que gosto nós nos completamos mesmo sem nunca termos nos tocado.
—Você é mesmo incrível! Ressaltou o irmão.
—Você não esta mesmo me ouvindo, não consegue me entender?
Será que não percebe que jamais, em hipótese alguma será possível fixar a
singularidade dela num papel? Tinha lágrimas nos olhos.
—Áthila imediatamente estremeceu — Então se acabaram as
histórias, as guerras, as cavalarias? O que faremos com as histórias de terror
que ainda seriam contadas? O que faremos das a gerente do banco, com a
ascensorista quem vai salva-las?
—Oh, por Deus meu irmão!
—Sim, Tudo isso é como uma droga para mim. Eu me refaço em
seus delírios, me realizo acompanhando suas narrativas, vigiando suas letras.
—Não seja tolo! Dalton não estava se sentindo muito bem
naquela noite e mesmo contra gosto do irmão foi-se deitar.
A semana recomeça com muitos problemas para solucionar,
enquanto estava na sala de espera do consultório médico, aguardando por sua mãe
revisava relatórios, pelo celular delegava tarefas aos funcionários da vinícola
estava realmente muito ocupado para perceber que estava sendo observado.
Made Chloé retornou do consultório acompanhada por uma enfermeira, que
avisou a Dalton para que fosse ter com o doutor.
—Tudo bem meu filho? Esta com um aspecto preocupado, o que o
doutor queria com você? Ele não respondeu. —Filho o que houve?
—Nada Mamãe, pediu-me para ficar de olho em você para que não
deixe de tomar sua medicação. tenho mais uma viagem marcada, mas deixarei
alguém amável e responsável para fazer-lhe companhia.
O dia caía as estrelas todas já se posicionavam para ocuparem
seus devidos espaços no escuro do céu. Era uma cidade bem agitada aquela,
muitas lojas, belos e aconchegantes restaurantes ele entrou, sentou-se sem
olhar muito em torno, ato bastante incomum para Dalton.
O garçom aproxima-se anota o pedido e sai, fazendo com que a
mesa em frente seja vista. Pobre rapaz!!! Sua boca secou seu o ar de todo o
mundo desapareceu, ele não conseguia respirar… Ela estava lá sentada na mesa
bem em frente da dele, os primeiros botões da blusa branca e transparente
estavam abertos, seus seios estavam praticamente o chamando. Ele fechou os
olhos por um milésimo de segundo, queria ter certeza de que não era um sonho,
de que não era mais uma de suas personagens brincando de realidade com ele,
fora o milésimo de segundo mais longo de sua vida, temera que ela não estivesse
mais lá ao abrir os olhos. Ela estava lá, respirando profundamente, olhar fixo
nele. Ele fez menção de se levantar, mas ela o repeliu com o olhar, negativou
levemente a cabeça. Ele se acomodou novamente, ficaram ali se olhando, sem
perceber a presença dos outros, a presença do garçom. Ela o encaminhou com o
olhar e sob a mesa exibia suas longas e bem torneadas pernas cruzadas.
Vagarosamente as descruzou afastando-as. Dalton hipnotizado fotografando com o
olhar cada deslocamento, em pequenos movimentos ela deixou que escorresse por
suas pernas aquele minúsculo e delicado tecido rendado, enquanto se acariciava.
Batom vermelho escarlate lábios levemente separados, respiração cada vez mais
acelerada e o garçom chega para servi-lo e lá se vão outros intermináveis
segundos. Só que desta vez ela não esta mais lá, ele se levanta desesperado a
procura-la não a encontra apodera-se do tecido esquecido sob a mesa, joga dinheiro na mesa para quitar a conta e
sai do restaurante, caminha pelas ruas olhando para todos os lados e nada.
Cansado senta-se no banco da praça pega do bolso do paletó aquele fino tecido
olha-o e não vê mais nada.
Jean Ollivier 07.09.17